Em carta obtida pela Folha,
delator da espionagem dos EUA diz querer auxiliar a apuração de vigilância no
país.
No documento, ele não se dirige
diretamente a Dilma sobre asilo, para evitar mal-estar com a Rússia, onde está
hoje.
FÁBIO ZANINIEDITOR DE "MUNDO"
O delator do esquema de espionagem do
governo americano, Edward Snowden, promete colaborar com a investigação sobre
as ações da NSA (Agência de Segurança Nacional) no Brasil. Para que possa fazer
isso, em troca, quer asilo político do governo Dilma Rousseff.
A promessa de ajuda está em uma
"carta aberta ao povo do Brasil", obtida pela Folha, que
será enviada a autoridades e fará parte de uma campanha on-line, hospedada no
site da ONG Avaaz, especializada em petições.
A ideia é sensibilizar Dilma a
conceder abrigo a Snowden, ex-agente de inteligência do governo americano.
"Muitos senadores brasileiros
pediram minha ajuda com suas investigações sobre suspeita de crimes contra
cidadãos brasileiros. Expressei minha disposição de auxiliar, quando isso for
apropriado e legal, mas infelizmente o governo dos EUA vem trabalhando muito
arduamente para limitar minha capacidade de fazê-lo", declara na carta,
originalmente em inglês.
Snowden se refere à CPI aberta no
Senado para investigar as atividades da NSA no Brasil, que incluíram
monitoramento de comunicações de Dilma e da Petrobras.
Segundo ele, não é possível colaborar
diante da precária situação jurídica em que se encontra agora, com apenas asilo
temporário, concedido pela Rússia até o meio de 2014.
"Até que um país conceda asilo
permanente, o governo dos EUA vai continuar a interferir em minha capacidade de
falar", afirma Snowden, na carta.
O ex-prestador de serviços para a
NSA, que está na Rússia desde junho, reclama de lá ter seus movimentos muito
limitados, sem condições de fazer um verdadeiro debate sobre o escândalo, de
acordo com Glenn Greenwald, o jornalista para quem ele vazou os dados.
No Brasil, com status de asilado
permanente, teria mais liberdade para isso.
Snowden toma cuidado, na carta, de
não se dirigir diretamente a Dilma. A razão é não melindrar o governo russo,
que o hospeda. Mas, ainda de acordo com Greenwald, ele quer vir para o Brasil.
Em junho, Snowden revelou ao
jornalista, à época trabalhando para o diário inglês "Guardian",
documentos que mostram a capacidade do governo americano de espionar cidadãos e
empresas em vários países.
"Hoje, se você carrega um
celular em São Paulo, a NSA pode rastrear onde você se encontra, e o faz. [...]
Quando uma pessoa em Florianópolis visita um site na internet, a NSA mantém um
registro de quando isso aconteceu e do que você fez naquele site. Se uma mãe em
Porto Alegre telefona a seu filho para lhe desejar sorte no vestibular, a NSA
pode guardar o registro da ligação por cinco anos ou mais tempo", afirma,
na carta.
Segundo Snowden, a vigilância sem
critério "ameaça tornar-se o maior desafio aos direitos humanos de nossos
tempos".
"A NSA e outras agências de
espionagem aliadas nos dizem que, pelo bem da nossa própria segurança' --em
nome da segurança' de Dilma, em nome da segurança' da Petrobras--, revogaram
nosso direito à privacidade e invadiram nossas vidas. E o fizeram sem pedir a
permissão da população de qualquer país, nem mesmo do deles", afirma, em
outro trecho.
APÁTRIDA
Greenwald, que vive no Rio, e seu
namorado, o brasileiro David Miranda, pretendem liderar uma campanha para que
Dilma lhe conceda o asilo.
Após chegar à Rússia, Snowden enviou
pedido a vários países, Brasil inclusive. Mas não obteve resposta.
Quem respondeu favoravelmente foram
Bolívia, Venezuela e Nicarágua, mas Snowden prefere o Brasil.
"O Brasil é o lugar ideal por
ser um país forte politicamente, onde as revelações tiveram um impacto
real", afirma Miranda. O argumento jurídico para convencer as autoridades
brasileiras é o de que os direitos humanos de Snowden estão ameaçados.
"Se o governo brasileiro
agradece a ele pelas revelações, é lógico protegê-lo", declara Greenwald.
O Brasil, lembra Snowden na carta,
foi coautor, ao lado da Alemanha, do texto da resolução aprovada por uma
comissão da Assembleia Geral da ONU, em que se associava o impacto da
espionagem a violações aos direitos humanos.
"Nossos direitos não podem ser
limitados por uma organização secreta, e autoridades americanas nunca deveriam
decidir sobre as liberdades de cidadãos brasileiros", afirma ele.
Snowden recorda que a decisão de
revelar ao mundo o esquema de espionagem custou sua família, sua casa e pôs sua
vida em risco.
"O preço do meu discurso foi meu
passaporte, mas eu o pagaria novamente. Prefiro virar apátrida a perder minha
voz", declara.