De costas para a realidade
EDITORIAL O ESTADÃO
O ESTADO DE S.PAULO - 31/07
O Brasil estaria bem melhor, com maior
crescimento, inflação menor, exportações bombando e contas públicas mais
sólidas, se o ministro da Fazenda, Guido Mantega, reconhecesse os problemas e
gastasse menos tempo negando fatos bem conhecidos por qualquer pessoa razoavelmente
informada. Ele se envolveu em mais uma batalha desse tipo, nesta semana, em
mais um esforço inútil para contestar avaliações apresentadas em relatórios do
Fundo Monetário Internacional (FMI). No primeiro documento, sobre efeitos
colaterais de mudanças na política dos países mais importantes, o Brasil é
incluído na lista dos sete emergentes mais vulneráveis. Os outros são Rússia,
Turquia, Indonésia, Índia, Argentina e África do Sul. No segundo, a situação
das contas externas brasileiras é apresentada como "moderadamente
frágil", com risco de rápida piora, em caso de forte desvalorização dos
produtos básicos.
Segundo o ministro, o FMI repetiu, no
primeiro estudo, um erro cometido há meses por outras instituições, quando
incluíram o Brasil na lista dos países mais sujeitos a problemas, se as
condições financeiras ficassem mais apertadas. O Brasil, segundo ele, enfrentou
muito bem as dificuldades já ocasionadas pela mudança na política monetária
americana. O câmbio, disse o ministro, está estabilizado e o País continua
sendo um dos principais destinos do investimento estrangeiro direto.
Mas ele deixou de mencionar dois detalhe
importantes. O real foi uma das moedas mais afetadas pelas mudanças nos
mercados cambiais, no ano passado, e a instabilidade só foi contida graças a
repetidas intervenções do Banco Central (BC). Essas intervenções foram mantidas
neste ano, para impedir ou limitar o efeito inflacionário da depreciação do
câmbio. Além disso, o investimento estrangeiro direto continua insuficiente -
como já foi no ano anterior - para cobrir o déficit na conta corrente do
balanço de pagamentos. Caiu, portanto, a qualidade do financiamento necessário
ao fechamento das contas externas.
O esquecimento, ou negligência proposital,
desses dois detalhes deixou na sombra um amplo conjunto de problemas. Nem o
governo prevê para este ano um crescimento econômico superior a 1,8%, número
apontado há poucas semanas pelo Ministério do Planejamento. No mercado, as
projeções são inferiores a 1%. O FMI, em sua última revisão do panorama
econômico mundial, baixou de 1,8% para 1,3% a estimativa de expansão do PIB
brasileiro. Reduziu as projeções para outros países, também, mas os números
previstos para o Brasil estão entre os piores, no cenário global, e desde o ano
passado têm sido revistos para baixo.
O ministro da Fazenda está certo quanto a um
ponto: o FMI tem errado em relação à economia brasileira. Mas tem errado por
excesso de otimismo e por levar a sério, mais do que deveria, a política de
Brasília.
O Brasil, como outros emergentes, perdeu
dinamismo nos últimos anos e isso se deve, segundo a análise do FMI, mais a
fatores estruturais do que à conjuntura internacional. São problemas internos:
infraestrutura deficiente, contas públicas em mau estado, inflação elevada e
contas externas em deterioração.
O câmbio valorizado é parte do problema,
admitem os analistas do FMI. Mas eles poderiam acrescentar: esse problema
persistirá enquanto a inflação for muito alta e o BC, para atenuar a alta de
preços, intervier no mercado para conter a depreciação do real.
Todos esses problemas têm sido extensamente
discutidos por economistas brasileiros e estrangeiros. Mas o governo se recusa
a enfrentá-los seriamente. As autoridades têm preferido maquiar as contas
públicas e administrar os índices de inflação, contendo os preços de
combustíveis, da eletricidade e do transporte público.