Combate
à corrupção não é obra de Dilma
JOSÉ
NÊUMANNE
O
ESTADO DE S.PAULO - 19/11
Acredite quem quiser: a
presidente reeleita, Dilma Rousseff, tentou, na reunião do G-20 na Austrália,
da forma canhestra que lhe é habitual, tirar proveito da notícia da prisão de
empreiteiros na sétima etapa da Operação Lava Jato. Como se esta fosse uma obra
de sua administração, a exemplo do PAC, do Bolsa Família e do Minha Casa, Minha
Vida. Em sua peculiar versão sobre os fatos da atualidade, teve o desplante de
exaltar como mérito do próprio governo o fato de agora se investigar a
corrupção "pela primeira vez na História do Brasil".
Como diria Jack, o
Estripador, vamos por partes. Primeiramente, a roubalheira na Petrobrás é, sim,
e disso ninguém tem mais como discordar, o maior escândalo de corrupção da
História do Estado brasileiro, desde que o português Tomé de Souza desembarcou
na Bahia para ser nosso primeiro governador-geral. Nada se lhe compara em
grandeza de valores, vileza de ações e resultados funestos para uma empresa
criada para tornar concreto o lema da esquerda nos anos 50 do século passado -
"o petróleo é nosso". O petróleo, descobriu-se agora, não é nosso, é
deles: do PT, dos partidos da base, de desavergonhados funcionários de carreira
da petroleira e de doleiros delinquentes.
Ainda não apareceram
indícios na investigação de que Dilma e seu antecessor na Presidência, Lula da
Silva, tivessem tirado algum proveito financeiro do butim. Mas não há mais
dúvidas de que ambos estavam a par de tudo. Sabe-se disso não apenas por ter o
doleiro Alberto Youssef, um meliante de terceira categoria do Norte do Paraná,
contado em delação premiada a agentes federais e promotores. Há provas
documentais e históricas, como acaba de revelar o Estado: em 2009, o Tribunal
de Contas da União (TCU), no exercício de sua assessoria ao Legislativo, avisou
o Congresso que não permitisse o repasse de R$ 13,1 bilhões à Petrobrás porque
seus fiscais haviam auditado irregularidades em obras da estatal. O Congresso
proibiu, Lula vetou a decisão e mandou dar dinheiro às obras suspeitas.
Mas o então presidente não
se limitou a vetar os dispositivos orçamentários e liberar as verbas glosadas
pelo TCU: também abusou da jactância de hábito ao fazer troça da mania que o
órgão teria de "querer mandar em tudo". Se José Sérgio Gabrielli,
então presidente da maior empresa brasileira e seu homem de confiança, não lhe
contou, o TCU, no mínimo, avisou. Não se pode dizer que Gabrielli seja
confiável aos olhos de Dilma, mas, além de ter sido ministra das Minas e
Energia, ou seja, responsável pela atuação da estatal e presidente de seu Conselho
de Administração, ela, como chefe da Casa Civil, não podia desconhecer o alerta
do TCU nem o desafio em forma de veto do chefão e padrinho.
É fato que a oposição não se
pode jactar de ter sido a responsável pela revelação do escândalo do petrolão
nem dos casos que o antecederam: o mensalão e a execução do prefeito de Santo
André e então coordenador de programa de governo da campanha de Lula à
Presidência em 2002, Celso Daniel. A descoberta de documento de um
"empréstimo" de R$ 6 milhões do operador do mensalão, Marcos Valério
Fernandes, a um dos protagonistas do escândalo de Santo André, Ronan Maria
Pinto, pela Polícia Federal (PF) nos papéis apreendidos em mãos de Meire Poza,
contadora de Youssef, desvendou a conexão entre os três casos. Valério disse há
dois anos que deu essa quantia ao empresário de ônibus para sustar chantagem
dele contra Lula. O papel é uma evidência de que o mensalão não serviu apenas
para comprar apoio de pequenos partidos no Congresso ao governo, mas também
para afastar suspeitas de envolvimento da cúpula da gestão federal e do PT não
na execução de Celso Daniel, mas no acobertamento dos verdadeiros assassinos,
protegidos pela versão da polícia paulista, sob égide tucana (sem aval do
Ministério Público), de que o crime teria sido ocasional.
Nestes 13 anos, nos governos
Alckmin, Lembo, Serra e Goldman, a oposição não se aproveitou do fato de
comandar a polícia estadual paulista para produzir sequer uma investigação
decente que convencesse a família de que a morte de Daniel teria sido casual.
Como é de conhecimento geral, tucanos e democratas também nada tiveram que ver
com a delação do petebista Roberto Jefferson sobre o mensalão, escândalo do
qual foi protagonista José Janene, um dos autores intelectuais da roubalheira
na Petrobrás, que teria resultado na lavagem de R$ 10 bilhões.
A Operação Lava Jato é um
trabalho que a Nação não deve a nenhum "sinal verde" de Dilma ou de
Lula nem à denúncia de tucano algum. Mas, sim, às divisões internas da Polícia
Federal, ao poder autônomo do Ministério Público Federal, à competência técnica
e ao tirocínio corajoso e probo do juiz federal paranaense Sérgio Moro. O
sucesso das investigações também se deve à delação premiada, à qual o
"Paulinho" de Lula e "Beto" Youssef recorreram para não
padecerem o que hoje padece Marcos Valério por ter achado que seus poderosos
parceiros não o abandonariam. Não houve ordem "republicana" para
investigar, processar e prender todos os culpados, "doa a quem doer".
Nem denúncias de uma oposição indolente e nada vigilante.
Dilma também anunciou em
Brisbane que a Lava Jato pôs fim à impunidade. Bem, aí depende! A impunidade no
Brasil já teve um grande baque com as condenações do mensalão. Graças ao
relatório de implacável lógica de Joaquim Barbosa, políticos tiveram a inédita
sensação de eleitores serem iguais a eleitos perante a lei. As diferenças na
execução penal, contudo, mostram que essa igualdade continua relativa: a
banqueira, os advogados e o publicitário continuam na cadeia e os insignes
companheiros que tinham mandato ou ministério estão "presos" em casa.
A prisão dos empreiteiros
mostra que a delação premiada é mesmo pra valer. Mas os políticos eventualmente
delatados ainda continuam soltos.