Mil faces de Lula
DORA
KRAMER
ESTADÃO
- 29/10
Acuado, ex-presidente se faz
de vítima e joga em Dilma a pecha de 'desleal' O ex-presidente Luiz Inácio da
Silva é um bom ator. Bem melhor que político, conforme demonstrado pelo erro de
avaliação na escolha de Dilma Rousseff para o papel de criatura que seria capaz
de suceder-lhe e garantir, mediante o espetáculo da competência, permanência
longa para o PT no poder.
No ofício da atuação é um
personagem de mil caras. Uma para cada ocasião. Pode ser o fortão que a todos
enfrenta porque com ele ninguém pode, como pode ser o fraquinho a quem a elite
tenta permanentemente derrubar por sua origem e identificação com os oprimidos.
Entre os papéis que costuma
desempenhar, o preferido para os momentos de dificuldade é o de vítima. Não por
acaso nem de modo surpreendente faz agora essa performance, nesta hora em que
as circunstâncias nunca lhe foram tão desfavoráveis: alvo de investigação do
Ministério Público por tráfico de influência, pai do dono de empresas
revistadas pela Polícia Federal, amigo de um empresário apontado por um
"delator premiado" como receptor de propina destinada a cobrir
despesas de uma de suas quatro noras.
Afora isso, as más notícias
alcançam também o patrimônio político eleitoral de Lula, até pouco tempo atrás
sua principal e mais forte cidadela. A última pesquisa da Confederação Nacional
de Transportes (CNT) aponta e atesta a decadência. Confirma números anteriores
segundo os quais Lula já não é um ativo eleitoral.
Hoje, numa eleição, perderia
de lavada para o tucano Aécio Neves (32% a 21%) e em eventual disputa de
segundo turno seria derrotado também por Geraldo Alckmin e José Serra,
políticos do PSDB que em outros tempos derrotou. Para quem já foi considerado
pelo adversário (Serra) em plena campanha como uma pessoa "acima do bem e do
mal" a situação é periclitante, convenhamos.
Lula não tem capital para si
nem para emprestar ao PT ou à presidente Dilma Rousseff. Nesta condição quase
que extrema (ou próxima disso), o ex-presidente faz o que sabe: tenta jogar a
culpa no alheio. E a eleita, desta vez, é a presidente Dilma Rousseff em quem
seu criador tenta imprimir a pecha de "desleal" ao deixar que
prosperem versões de que atribui a ela a responsabilidade sobre o avanço das
investigações em direção a ele, família e amigos.
Oficialmente o Instituto
Lula desmente. Muito cômodo. Extraoficialmente todos os jornais publicam a
conveniente versão disseminada por "amigos" e
"interlocutores" de que o ex-presidente se sente "traído"
pela sucessora que, segundo ele, não foi capaz de interromper investigações que
o atingissem e à sua família.
Transferir a culpa para
Dilma é uma tentativa. De difícil execução, dada a dificuldade de se obter
resultado, diante da posição extremamente difícil em que se encontra a
presidente. Mas o problema maior para Lula é a credibilidade. Ele já não tem
aquela da qual desfrutou. E esta, no presente, não conseguiu conquistar quem no
futuro poderia ter junto de si.
Em suma, Lula procura se
desvincular de Dilma, acusando a presidente de ser desleal pelo fato de não
atuar para impedir investigações. Isso quer dizer que, por experiência própria,
ele considera não apenas possível como factível a indevida interferência nos
processos legais.
Com isso, confirma que em
seu governo interferiu indevidamente. E, por linhas tortas, confessa que
prevaricou. Indignado está pelo fato de outrem não prevaricar em seu nome para
salvá-lo de evidências que o aproximam do confronto com a verdade.