Fantasma de Celso Daniel assombra companheiros
José
Nêumanne
O
Estado de São Paulo – 27 de agosto
Quem poderia imaginar que na
quarta campanha presidencial posterior ao aparecimento do cadáver do prefeito
de Santo André licenciado para coordenar o programa de governo da candidatura
vitoriosa de Luiz Inácio da Silva, do PT, o fantasma de Celso Daniel deixaria o
limbo para assombrar seus companheiros? E, pelo visto, o espírito vindo do além
não se limitou a puxar o dedão do pé de uns e outros em sono solto, mas
deixou-os a descoberto em pleno inverno. Para sorte deles, este inverno não tem
sido tão gélido assim. Mas a alma é fria que só. E como é!
Sábado, em reportagem
assinada por Andreza Matais, de Brasília, e Fausto Macedo, este jornal noticiou
que a Polícia Federal (PF) apreendeu no escritório da contadora Meire Poza, que
prestou serviços ao famigerado doleiro Alberto Youssef, contrato de empréstimo
de R$ 6 milhões. O documento, assinado em outubro de 2004, reconhece dívida de
tal valor, a ser paga em prestações em 2004 e 2005 pelas empresas Expresso Nova
Santo André e Remar Agenciamento e Assessoria à credora, a 2S Participações
Ltda. A primeira pertence a Ronan Maria Pinto, empresário do ABC e personagem
do sequestro e morte de Celso Daniel, cujo cadáver foi encontrado no mato em
Itapecerica da Serra em janeiro de 2002. A 2S pertencia ao publicitário mineiro
Marcos Valério Fernandes de Souza, condenado pelo Supremo Tribunal Federal
(STF) por formação de quadrilha, corrupção ativa, lavagem de dinheiro, peculato
e evasão de divisas a pena de 37 anos, quatro meses e seis dias e multa de R$
3,062 milhões.
O elo encontrado pelos
federais entre o assassinato do principal assessor de Lula na campanha
presidencial de 2002, o escândalo de corrupção do mensalão e as denúncias
apuradas na Operação Lava Jato, protagonizadas pelo doleiro acusado de lavar R$
10 bilhões de dinheiro sujo, estava numa pasta identificada como
"Enivaldo" e "Confidencial". A PF supõe que este seja
Enivaldo Quadrado, condenado no mensalão.
A investigação em que o juiz
federal Sérgio Moro encontrou provas suficientes para mandar prender o
ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa, que substituiu Sérgio Gabrielli na
presidência da empresa 24 vezes, apurou que a corretora Bônus Banval não era de
Enivaldo Quadrado, mas, sim, de Alberto Youssef. Costa, que o ex-presidente
Lula, conforme testemunhos citados no noticiário do escândalo chamava de
Paulinho e teria oferecido ajuda nas investigações em troca de alívio na pena
(pelo visto, ele conta até com a eventual liberdade), tem sido motivo de
aflição de gente poderosa na República, temendo que suas revelações cheguem a
comprometer a realização das eleições gerais de outubro.
O que já se sabe sem sua
ajuda é grave. E a entrada em cena do espectro de Celso Daniel - que não é
Hamlet, mas já expôs parte considerável da podridão que reina nestes tristes
trópicos -, se não alterar o calendário eleitoral, abalará significativamente a
imagem de vários figurões que disputam o posto mais poderoso de nossa velha e
combalida República.
Em depoimento ao Ministério
Público (MP) em dezembro de 2012, também revelado pelo Estado, Valério, chamado
pejorativamente de "carequinha" pelo delator Roberto Jefferson, seu
colega no banco dos réus do mensalão, contou que dirigentes do PT lhe pediram
R$ 6 milhões a serem destinados ao empresário Ronan Maria Pinto. Conforme o
depoente, o dinheiro serviria para calar Ronan, que estaria chantageando Lula,
o secretário da Presidência, Gilberto Carvalho, e o então chefe da Casa Civil
de Lula, José Dirceu. Gilberto Carvalho, conforme se há de lembrar quem ainda
não perdeu a memória, tinha sido secretário de Celso Daniel e foi acusado pelos
irmãos deste de transportar malas com as propinas cobradas de empresários de
ônibus em Santo André para Dirceu, à época presidente do PT.
De acordo com a reportagem
do Estado no sábado, há 20 meses "o PT não se manifestou oficialmente, mas
dirigentes declararam que ele não merecia crédito". Com a descoberta do
documento, contudo, parte da versão de Valério - a que se refere à
"dívida", embora não se possa afirmar o mesmo em relação ao motivo
desta - deve ter passado a merecer crédito, se não do PT, ao menos da PF.
Crédito similar, por exemplo, ao dado pelo partido no poder federal ao chamado
"operador do mensalão" quando o mineirinho emergiu como o gênio do
esquema de distribuição de dinheiro, que o relator do processo no STF, Joaquim
Barbosa, desvendou de maneira lógica e implacável.
O documento assinado por
Valério nos papéis da contadora do doleiro acaba com qualquer dúvida, se é que
alguém isento e de boa-fé possa ter tido alguma, de que nada há a imputar de
político ou fictício à condenação de Dirceu, Valério, José Genoíno e outros
petistas de escol a viverem parte de sua vida no presídio da Papuda, em
Brasília. Isso bastaria para lhe garantir a condição de histórico no combate à
corrupção. Mais valor terá se inspirar o MP estadual a exigir da Polícia Civil
paulista uma investigação mais atenta e competente sobre a morte de Daniel.
Ao expor a conexão entre o
assassinato do prefeito, a compra de apoio ao governo Lula e a roubalheira
desavergonhada na Petrobrás, a dívida contraída por Ronan põe em xeque todos
quantos, entre os quais ministros do Supremo, retiraram a "formação de
quadrilha" da lista de crimes cometidos por vários réus do mensalão. Negar
a prática continuada por mais de dez anos de um delito em bando formado pelos
mesmos personagens conotaria cinismo e até cumplicidade.
A delação de Paulo Roberto
merecerá um prêmio, sim, se ele for capaz de informar quem são os verdadeiros
chefões nos três delitos. Acreditar que possam ser um menor da favela, um
publicitário obscuro e um doleiro emergente seria como nomear Papai Noel
ministro dos Transportes. Do site do Estadão.
José
Nêumanne é jornalista, poeta e escritor.