O BRASIL NÃO TEM PALAVRA
Claudia
Vassalo
REVISTA
EXAME
Façamos uma autocrítica como
brasileiros: no fundo, achamos perfeitamente normal que as promessas sejam
descumpridas. O resultado está à vista de todos
A confiança é como o tempo:
só pode ser gasta a um preço elevadíssimo. O Brasil de hoje é uma nação que
busca, desesperadamente, resgatar a credibilidade perdida ao longo dos últimos
anos - a conta já chegou e não será paga apenas por aqueles que tomam as decisões
encastelados nos palácios de governo. Façamos uma autocrítica como brasileiros:
no fundo, no fundo, achamos perfeitamente normal que as promessas sejam
descumpridas. Não damos o devido valor à palavra. A nobreza que o fio de bigode
carregava é uma imagem do passado. Tornou-se algo anacrônico, motivo de
chacota. Quase ninguém cumpre o que promete. Quase ninguém, aqui dentro, cobra
que o contrato seja honrado. O resultado está aí, para quem quiser enxergar. A
culpa também é nossa.
O grande problema do Brasil
de nossos tempos não é a inflação indócil, ou a situação precária da Petrobras,
maior companhia nacional, ou a falta de investimentos em infraestrutura, ou o
ceticismo e a apatia do capital, ou a raiva incubada de boa parte da população,
ou a ameaça (real) de racionamento de energia no país inteiro e de água em São
Paulo, ou ainda o atraso e a gastança nas obras da Copa. Tudo isso é
consequência de um país, de governos e de uma sociedade que desperdiçaram sua
credibilidade como quem joga pérolas aos porcos.
Em qualquer país onde a
palavra tenha o valor que merece, uma declaração como a da ex-ministra da Casa
Civil e atual senadora Gleisi Hoffmann não passaria quase despercebida. Para a
senadora, a finalidade da Petrobras é melhorar a vida do brasileiro. Não dar
lucro. A declaração é um absurdo de nascença. Mas vamos ignorar isso. Como
explicar a frase da senadora Gleisi aos 288.000 acionistas, que acreditaram que
a Petrobras se transformaria numa das maiores petrolíferas do mundo? Se o
governo, de fato, pensa como a senadora Gleisi, teria sido melhor avisar aos
mais de 73 000 trabalhadores que vincularam parte de seu fundo de garantia ao
futuro da companhia. Para os iludidos, a vida não tem sido um mar de rosas.
Como acontece desde que o
mundo é mundo, o atual período eleitoral será um festival de promessas e de
cheques em branco, que serão descontados dos ganhadores lá na frente. As
pesquisas de intenção de voto para a Presidência da República mostram, até
agora, que o eleitor anda num mau humor generalizado: a popularidade da
presidente Dilma Rousseff e a aprovação de seu governo caem semana após semana.
Os dois principais candidatos da oposição, o senador Aécio Neves e o
ex-governador pernambucano Eduardo Campos, ainda não conquistaram os insatisfeitos.
A classe média tradicional,
os empresários e os investidores voltam sua desconfiança para um lado. Os
pobres e os emergentes para outro. O gigantesco desafio dos candidatos será
quebrar o cerco de ceticismo de ambos os lados. Ganhar um deles pode até levar
a uma vitória nas urnas. Mas não garantirá a confiança absolutamente necessária
para que o próximo governo elimine as fragilidades da economia - um movimento
dolorido -, reforce as instituições e traga a sociedade para seu lado, com a
esperança de que amanhã o país estará, de verdade, melhor do que hoje.
O brasileiro está em busca
de alguém que lhe diga, de verdade, o que pensa e como pretende liderar o país
num momento tão delicado. Se vamos escolher uma plataforma liberal ou
estatizante, uma visão de esquerda ou de direita, é outra história. Seja qual
for o resultado, o país viverá as consequências de suas escolhas - para o bem e
para o mal. Mas é importante que a decisão seja tomada em cima de discursos
verdadeiros, de convicções, e não de balelas que inexoravelmente se
transformarão em mais mentiras, que só enganam os trouxas.
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