EDITORIAL FOLHA
FOLHA
DE SP - 29/04
100% político
Lula desvaloriza decisão do
STF sobre o mensalão como apenas 20% jurídica, uma conta de quem se acredita
salvador da pátria e do PT
A entrevista de Luiz Inácio
Lula da Silva à Rádio e Televisão de Portugal (RTP) que foi ao ar no sábado não
é a primeira oportunidade em que escolhe solo estrangeiro para dar declarações
temerárias sobre o mensalão. Neste caso, o ex-presidente preferiu atacar as
instituições, ao contrário do que fez quando ocupava a Presidência.
Em Paris, a 15 de julho de
2005 (seis semanas após estourar o escândalo do mensalão), o então presidente
admitiu que o PT tivesse cometido erros e que precisava explicar-se à
sociedade. Afirmou que o Estado brasileiro iria apurar o caso até o fim. A
temeridade, na ocasião, foi tentar justificar os erros como algo que todos os
partidos praticam no Brasil.
Em Lisboa, Lula fez algo
muito mais grave: pôs sob suspeição o próprio Supremo tribunal Federal.
O ex-presidente disse à
jornalista Cristina Esteves, da RTP, que não iria examinar decisões da Suprema
Corte e fez exatamente o oposto, ao declarar que a decisão fora 80% política e
20% jurídica. Foi além: tudo não teria passado de um massacre para destruir o
PT; a história do mensalão, com o tempo, deverá ser recontada.
A afoiteza, a enumeração
fantasiosa de conquistas de governos petistas e o espantalho da conspiração das
elites são característicos da única retórica que Lula demonstra conhecer --a de
palanque. A incongruência de dirigir-se nesse tom a ouvidos portugueses sugere
que o petista em realidade pretendeu enviar mensagens algo cifradas ao Brasil,
que correligionários entenderão como ordem para "ir para cima" dos
adversários.
Em outras palavras, Lula
parece bem mais disposto a se tornar candidato do que semanas atrás.
Sim, ele disse e repetiu, na
entrevista, que não está candidato e que será cabo eleitoral de Dilma Rousseff.
Mas, com a esperteza que atribui ao brasileiro, reiterou o lugar-comum de que,
em política, não se pode dizer "nunca" (como preferiria a sucessora,
ainda que talvez lhe convenha Lula verbalizar críticas ao STF que ela, como
mandatária de outro Poder, não se permite externar).
"Troço de doido",
reagiu o ministro do STF Marco Aurélio Mello, um dos poucos, ao lado de Gilmar
Mendes e de Joaquim Barbosa, a se pronunciar sobre a contabilidade luliana. Não
é loucura. Temeridade, por certo, jactância, mas cometidas com método e
cálculo, zero de desvario.
Lula mostrou-se como o que
é, 100% político. E, no contexto de crescente descrédito e perda de popularidade
da presidente que fez eleger, 80% cabo eleitoral do PT e 20% pré-candidato
--proporção que não hesitará em virar a seu favor caso confie em eventual
vitória.
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