TUDO JUNTO E MISTURADO
José
Nêumane
O
Estado de São Paulo - 23/04
Ultimamente no Brasil tudo
vira Fla-Flu. E terminada a refrega, tudo vai para o forno de pizza, que a
todos é servida sem parcimônia nem pudor. Neste escândalo da Petrobrás, estamos
em plena disputa, em que ninguém dá bola para a torcida e os jogadores brigam
com o árbitro e entre si em campo, enquanto torcedores "organizados"
se matam na plateia.
Na semana passada, a
presidente da Petrobrás, Graça Foster, foi ao Senado e lá reconheceu que a
compra da refinaria da Astra Oil belga em Pasadena, no Texas, foi "um mau
negócio". Trata-se de um evidente passa-moleque, similar ao eufemismo da
chefona geral Dilma Rousseff, que costuma chamar ladroeira de
"malfeito". Mas pouco se importaram os senadores que a inquiriram.
Ela convenceu os governistas. Para os oposicionistas, o depoimento tornou
indispensável a comissão parlamentar de inquérito (CPI) entalada no Supremo
Tribunal Federal (STF). No dia seguinte, o bode expiatório Nestor Cerveró,
ex-diretor internacional da estatal, jurou que não quis enganar a presidente do
Conselho de Administração da maior empresa brasileira, à época a atual
presidente da República. Governistas deixaram tudo passar em brancas nuvens.
Oposicionistas voltaram a clamar por CPI. Domingo passado, este Estado publicou
entrevista do ex-presidente José Sérgio Gabrielli, que assumiu a
responsabilidade pelo negócio, segundo ele, "bom", mas transferiu
parte desta para Dilma, o mais ululante dos óbvios de Nelson Rodrigues. E os
oposicionistas insistiram na CPI.
Enquanto se joga o Fla-Flu,
que poderá ser prorrogado pela CPI afora, se o STF surpreender o País e não
obedecer a quem nomeou seus membros, todos se esquecem daquilo que Antoine de
Saint-Exupéry cunhou em O Pequeno Príncipe, leitura predileta das misses,
espécime em extinção: "O essencial é invisível para os olhos".
No caso em tela, o essencial
é simples. A Petrobrás gastou ao todo, segundo cálculos confiáveis, US$ 1,2
bilhão na aquisição e operação da refinaria de Pasadena. Informações também
confiáveis dão conta de que tentativa recente de vender o ativo podre desta
resultou em avaliações feitas por instituições de boa reputação, segundo as
quais a refinaria, construída em 1920 e nunca reformada, sucatada e com sérios
problemas ambientais (apud Veja nas bancas), não seria vendida por mais de US$
200 milhões. Ou seja, a estatal brasileira teve prejuízo de, no mínimo, US$ 1
bilhão. Para bajuladores dos poderosos de plantão, "troco de pinga".
Para o pobretão que paga as contas em impostos escorchantes, uma fortuna
incalculável. Com a sem-cerimônia com que burocratas de altos escalões tratam
recursos públicos e baseada em informações às quais só ela tem acesso, Foster
reduziu tal rombo a US$ 500 milhões. Continua sendo uma fortuna. No entanto,
ninguém, das bancadas leais ao governo ou das adversárias, lhe perguntou no
Senado o que foi feito de tanto dinheiro. A ninguém interessa saber se os
belgas pagaram dezenas ou centenas de milhões de dólares pelo mico oito meses
antes de a Petrobrás resolver salvá-lo da extinção. Importante é saber para onde
foi tal prejuízo.
Perguntaram-lhe, sim, por
que Cerveró não foi punido por ter tentado enganar o Conselho de Administração,
composto por Dilma e por pétalas da fina-flor da burguesia nacional do porte de
Gerdau Johannpeter, Fábio Barbosa e Claudio Haddad, entre outros agraciados
pela aliança pete-peemedebista. Mas premiado com a direção financeira da
Braspetro, distribuidora dos combustíveis da Petrobrás. Ela fez pouco-caso,
dizendo que o emprego não tem importância. Ninguém se interessou em perguntar
para informar ao favelado que vive de bicos e paga a conta em quanto importaram
os salários e benefícios pagos ao desatento servidor desde o relatório
incompleto até a demissão sem desonra.
Enquanto Foster e Cerveró
eram tratados com deferência nos interrogatórios no Congresso, a Polícia
Federal (PF) continuava seu trabalho, a Operação Lava Jato, que já desmascarou
o doleiro do poder, Alberto Youssef. E pôs em maus lençóis o influente
vice-presidente da Câmara dos Deputados e ex-secretário de Comunicação do Partido
dos Trabalhadores (PT), André Vargas (PR). O distinto público pode avaliar,
então, por que este senhor provocou o presidente do STF em público, em defesa
dos colegas condenados pela cúpula do Judiciário, e combateu com tanto denodo a
liberdade de informação, de braços dados com o presidente petista, Rui Falcão.
Por que não o deixaram fazer seu "malfeitozinho" em paz, ora? A PF
vasculhou até escritórios da sede da maior empresa brasileira em busca de
provas contra o ex-diretor Paulo Roberto Costa, que o ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva chamava carinhosamente de Paulinho.
A revista Época desta semana
publicou outras explicações para a queda pela metade do valor do patrimônio da
Petrobrás, que, de acordo com o Financial Times (agora, na certa, incluído na
lista dos membros do Partido da Imprensa Golpista, PIG, porco em inglês),
passou de 12.º para 120.º no ranking das empresas mundiais. E mais: mostrou
evidências de que "está tudo junto e misturado" no propinoduto do
escândalo do momento. As conexões do doleiro estendem-se a Carlinhos Cachoeira,
o bicheiro que derrubou Valdomiro Diniz, factótum de José Dirceu, réu número um
do mensalão, e o senador Demósthenes Torres, "varão de Plutarco" da
oposição, indo, portanto, do Paraná do casal Gleisi Hoffman-Paulo Bernardo a
Goiás do bicheiro. No mesmo embrulho cabem a Delta de Fernando Cavendish, amigo
de Sérgio Cabral, e a sabedoria estratégica de Pedro Paulo Leoni Ramos,
companheiro de farras de juventude do aliado senador alagoano Fernando Collor,
que o PT ajudou a apear da Presidência da República em escândalo similar. Se,
em vez de Fla-Flu e pizza, houvesse investigação pra valer, muita gente fina
nesta República estaria perdendo o sono em celas infectas, reservadas apenas às
prostitutas, aos pretos e aos pobres de sempre, salvo desonradas exceções.
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